sexta-feira, 5 de julho de 2013

PARATEMPO NO SENTIMENTO (uma história para palco)

   
* fiz esse texto em 2003 secretamente.... só hoje tive coragem de dividir com vcs... sei que falta correções, mas prefiro não visitá-lo pra isso, senão com o tempo tão presente, tenho medo de descaracteriza-lo.
                                           leiam lentamente... aceito pontuações e reflexões.



(Um monólogo infanto-juvenil)

“Caso alguém lhe pegue no mundo da lua, não ligue! Você está tendo um para-tempo como esse aqui...”

O DESCONTAR  DAS FALAS CONTADAS.

10, 9, 8, 7…6,5…4,3,2 e 1…
            Tenho mania de contar e descontar… conto o desconto do conto! No meu contar, conto o desconto que cada conto tem dentro dele mesmo. E cada um pede um desconto… Quando nada tenho para falar, costumo contar de trás pra frente e de frente para trás. No meio de toda contagem vem sempre as melhores lembranças. Às vezes são elas que inspiram os contos.  Guardo falas trocadas, coleciono frases perdidas, escondidas. São falas ditas pela boca de quem sempre falou no meu pé-de-ouvido. Falas que tentam atrapalhar esse momento só meu! Ta tudo aqui ó… Na minha cabeça querendo se encaixar na minha vontade de descontar e contar de novo, como se fosse de propósito só para tentar dispersar e me fazer desistir! As falas vão falando e eu descontando. Em desordem… Ordem decrescente… Contando sempre de trás pra frente. E quando começo a descontar desse jeito, pronto! É a hora de invadir minha cabeça com falas sortidas, faladas, gemidas, gritadas e anunciadas no decorrer da minha vida. Falas muitas vezes repetidas.
-Acorda menino! – Olha aí. Começou a faladeira toda. A fala da minha mãe sempre é a primeira!
-Corre! – Ai que fala estranha! Quem é?
-Anda, dá “bença” a teu vô moleque! – Agora é meu pai que resolve se meter e botar, insistentemente, a mesma fala na minha cabeça. Coitado do vô!
-Já escovou o dente? – Pronto, agora voltou minha mãe com mania de higiene.
-Corre, corre mais! – Essa fala ta aqui o tempo todo. Vem de uma voz que não sei de quem é… Só sei que está sempre me perseguindo.
-Vê se cresce logo pirralho! – Até Jamelão está metido nas minhas lembranças! Ele é meu primo mais velho.  Não gosto muito do cheiro dele… Fede a manteiga.
-Cuidado com as coisas pra não esquecer! – Outra fala da minha mãe. Que mania!
-Tem vitamina na mesa. - Aqui é a Zefa.
- Corre, anda, corre! - Essa fala ta aqui o tempo todo. Não consigo identificar de quem é. Só sei que ela me enche o saco! Mas que perseguição!
-Olha a hora, menino! – De novo!  Não precisa nem dizer de quem é essa fala, né?
-Haja paciência, meu Deus! – Eu! Até minha própria voz resolveu me azucrinar.
-Vai logo, corre! – Ai que saco! Quem é a dona dessa fala?
-Quando é que esse menino vai crescer? – Meu pai… Ai que faladeira, parece uma feira!
1,2,3,4….5,6,7,8,9,10 …

PSIUUUU!!!  - Tem hora que resolvo dar um basta na minha cabeça! Sempre quando a paciência acaba, paro de ouvir e só faço pensar. E vem o silêncio de novo… É exatamente nesse ponto que começo a contar!

1,2,3,4….5,6,7,8,9,10 …
                     
PARA QUE PARA, PERGUNTA!

Às vezes gosto de ficar assim, quietinho, olhando pro vazio, pro nada… mesmo quando estou sem tempo… mesmo sem ele, tomo um tempinho para ficar aqui… parado… no correr do pensamento.
Aproveito essa parada do tempo e olho para dentro.
É gostoso ficar assim!
A gente se enche de coisas muito legais.

Quando sinto que vem essa vontade… À vontade que falei, escolho um lugarzinho só meu e fico lá até a vontade completar. Tem momentos que a vontade nem se completa, e se parte naquele lugar. Aí eu desisto e deixo o tempo normalizar.

Quando brinco dessas coisas de parar o tempo, eu começo a me perguntar. Por que será? E os outros? Têm tempo assim que possam degustar? Ou será apenas eu, o único que o tempo escolheu para, de vez em quando perguntar?
Faz muito tempo que comecei essa paradeira toda. Dei até nome para o momento. Resolvi chamar de “paratempo”. Bem que o tempo gostou e se deixou batizar. Então ficou marcado, selado e inventado!
“Paratempo” é a pausa do tempo que nos faz perguntar.
 

NEM TODA PAUSA É PARATEMPO.

Ao contrário do que muita gente pensa, o tempo não é apenas o que sai do relógio não. Tempo é muito mais que isso. É aquele que está no pensamento durante a vida inteira da pessoa. É ele quem sintoniza a gente o tempo todo. É quem avisa todas as horas importantes e não importantes da vida. Mesmo quando a gente não aceita o tempo como está, ele inssiste, até provar que é impossível rejeitar.
Tempo é até o melhor amigo do homem, isso quando o próprio homem o compreende por inteiro. E, não o compreendendo, pelo menos aceitando as respostas que ele dá. Desde que o homem ainda nem era homem direito, ele tava lá. Até quando o homem nasce, é o tempo quem decide o lugar!
Tem tempo de tudo!
Tempo de frio e de calor. De estações do ano… É o tempo que muda, muda para inverno, verão, outono e primavera.
Tem tempo para tudo!
Tempo para estudar, trabalhar, brincar… Tempo de paz, de guerra… Tempo de vida...  Apenas na morte é que o tempo dá uma trégua! Também ninguém é de ferro né?
Tem tudo no tempo!
O dia tem 24 horas, por exemplo. Que se divide em 2 turnos: manhã e tarde. Durante a manhã tem tempo de tomar café, ir para escola e voltar. Já no turno da tarde tem tempo para almoçar, ir para escola e voltar. Ainda tem a noite com tempo escuro para poder jantar e relaxar!
Antes que o tempo comece a avançar, eu vou logo contar.


TUDO COMEÇOU AQUI…

O máximo que posso lembrar é o tempo de ninar… é o tempo que eu nem sabia falar, nem andar, nem perguntar… eu não sabia de nada naquele tempo de lá!
Tudo era exatamente como era.  Mão era mão de pegar, pé era pé de andar, boca servia só pra comer e chorar, nem dentes existiam para mastigar. O pinto? Ah! O pinto eu ainda nem percebia que tava lá!
Deitavam-me numa caixa cheia de coisas molhadas e cheirosas. Diziam que aquilo era água com perfume… imagina! Eu nem sabia falar coisa alguma, quanto mais diferenciar água de perfume! E começavam a me esfregar… Descobri que aquilo se chamava banho! E todas as vezes que me davam banho era a hora que eu mais gostava de brincar de parar o tempo. E era no parar do tempo que eu computava as perguntas que só com o passar dele mesmo é que eu descobria as respostas. Só que no começo, no meu princípio, tudo que se fazia perguntar, no “paratempo”, eram coisas mais concretas, que davam na vista, sabe? A cor, a forma e seus sentidos, a luz, o bom e o ruim, o ver e o não ver, etc…
Fui aprendendo a falar com a boca, a dar adeus com as mãos, a jogar bola com os pés e até a escovar os dentes que ainda eram de leite, e que mais tarde eu iria ficar sem eles novamente…
Foi num desses “paratempos” que descobri que quebra-cabeça não é simplesmente dar pancadas na cabeça até quebrar, e sim um jogo que faz raciocinar. Juntar a lógica das coisas até a lógica ficar clara na cabeça da gente e ficar completa… desvendada!
Já dei mais de 365 “paratempos” em toda minha vida e já obtive respostas em quase 70 por cento deles! Adoro matemática!!!
Depois que cresci fiquei mais exigente com os meus “paratempos”. Antes vinham perguntas mais ou menos bobas. Coisas sem muita importância nos tempos de agora! Depois, como eu já sabia de muita coisa, vinham perguntas aparentemente sem sentido, só para não perder a prática.
Coisas do tipo:
Se a gente não existisse, quem ou o quê iria estar no nosso lugar?
Por que é que não posso voar?
Porque a pessoa nasce pequena para depois ficar grande?
Eu demorei muito para entender isso tudo! Foi preciso muitos “paratempos” para sair satisfeito com o tempo dessas coisas e saber que para elas não haviam respostas. Por enquanto!
E o tempo foi passando comigo perguntando!


PARATEMPO E SUAS REGRAS BEM REGRADAS.

Fui percebendo que tudo isso era como um jogo, um videogame. Pois a cada pergunta respondida, passava-se para um nível mais difícil.
Fui crescendo assim, parando e perguntando.

No nível 1, o “paratempo”, servia apenas para detectar tudo que os olhos viam do lado de fora. Por exemplo, saber que peito da mãe naquele tempo era só para matar a fome chupando o leite que tinha dentro. Que quando ficava escuro aos olhos da gente, era para dormir e pronto! Chamavam de “noite”. E a noite era noite até o escuro ficar claro de novo, fazendo o olho acordar, virando dia para a gente de novo brincar!
Nesse mesmo nível aprendi a andar, falar e me expressar.
Perguntei uma vez ao meu “paratempo”, mesmo sem saber falar direito, que danado era aquele estalar da boca que comecei a ganhar? Imagina!? Todo mundo, naquele tempo de lá, vinha logo me babar com aquele estalar barulhento! Foi ali que captei outra função que tem a boca da gente: Beijar… BEIJO! Ai! Como é bom receber e dar!
Geralmente, quando ganhava um beijo, sempre vinha seguido daquela palavra: AMOR. Como eu ainda tava no início do meu tempo, achei que era um apelido. Que era só meu: MEU AMOR! Era isso que vinha seguido daquele estalo de boca: MEU AMOR!  Às vezes era só AMOR, outras vezes virava MÔ, MOZINHO, MORICO…
Ai, que Amor!
Falava um estranho qualquer que me encontrava no meio da rua. E, logo em seguida, me beijava.
Depois vinha minha mãe, dava um beijo bem barulhento e baboso  no pescoço e depois soltava:
Amor da minha vida!
Foi muito tempo nesse pensamento! E depois de um certo “paratempo” foi que conheci melhor esse tal de Amor. Que apelido que nada!
Amor é um invento que serve para várias coisas, dependendo da ocasião. Ah, mas só vim perceber muito tempo depois, quer dizer, no tempo de agora… num tempo bem… Presente!


O NÍVEL DAS SENSAÇÕES ENCHEU O PARATEMPO DE QUESTÕES!

Depois veio o nível seguinte, o 2 é claro! Aí foi sopa! Eu já tava entendendo melhor o “paratempo” e já sabia como jogar! Acontece que mesmo assim as perguntas que me faziam parar, desta vez, não eram vistas só com os olhos. “Sensação” era outra forma de ver aquele tempo de lá! Perguntas quase palpáveis e objetivas eram apresentadas. Palpáveis porque agente podia sentir na pele, no tato!
Por que sol provoca calor?
E a lua. Por que muda com o tempo?
Neve é fria, por quê?
Unha serve só para cossar?
Por que a gente sonha?
Quem inventou as horas?
Qual foi o primeiro brinquedo inventado no mundo?
Por que o planeta se chama terra e não água?
Por que a formiga trabalha mais que a cigarra?
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
Por que não posso voar?
Por que a gente chora?
Se sorrir é tão bom, por que, quando a gente ri muito, dói a barriga?
Quem desenha a foto dentro da máquina fotográfica?
Por que lembramos de algumas coisas e de outras esquecemos?
Depois que entrei na escola, eram perguntas deste tipo que eu fazia ao meu “paratempo”.
Por que as estações do ano provocam reações e sensações no meu corpo?            Aprendi também que corpo é a mesma coisa que organismo. É cientificamente explicável! O engraçado é que, dizem, que quando chove é sinal de sorte! Será mesmo!?


SEVERINO JOSÉ DA SILVA VEM LÁ DE TRAZ..

Aqui, neste mesmo nível, perguntei sobre outras coisas... Outras tantas e muitas coisas! Notei que coisas e pessoas tinham nomes apropriadíssimos!
Se não tivéssemos nome, como é que iríamos nos chamar?
E foi o próprio tempo que me fez enxergar que tudo que existe precisa de nome.
Cadeira tem que ter nome, se não, onde é que iríamos sentar?
Cama tem que ter nome, ou então, onde iríamos deitar?
E mesa? Se não ganhasse esse nome? Que outro seria tão apropriado para se alimentar?
Então, se o nome das coisas precisam chamar, por que o nosso não teria tamanha importância?  Por exemplo: se eu não fosse Severino José da Silva, que outro nome iriam me dar? Pois “Severino” vem da minha segunda tia, irmã da minha vó e tia da minha mãe. “José” vem do meu pai,  do meu avô e do meu bisavô. O “da Silva” vem de muita gente que eu conheço! Portanto, seria impossível meu nome ser outro… Notei também que pessoas às vezes têm nome de lugar e alguns lugares têm nome de pessoas. Já morei numa rua chamada Rua Joana Dark.  Depois vi que tem uma santa com esse mesmo nome. E ela, além de santa, era uma heroína disfarçada de bruxa que morreu queimada na fogueira. Nossa!  Quando soube disso, fiquei mais orgulhoso ainda de morar naquela rua! O tempo passou e eu me mudei de lá.


OLHAR PARA DENTRO, EIS O MOMENTO.

O nível 2 do meu “paratempo” durou muito tempo na minha vida. Resolvi então incluir o nível 3 e o nível 4 nele, afinal foram muitos anos para entender e aprender tudo que eu via na minha frente.
Ainda no finalzinho desse tempo, estava querendo parar meu “paratempo”. Sim, porque depois de um longo tempo olhando para uma direção só cansa! As coisas de fora se esgotaram e eu não tinha mais o que perguntar. O tédio me fez mudar!
Tem hora que tudo que esta fora não dá mais vontade de saber. Os olhos perdem a conta de tudo que vê.
O olho durante todos os níveis, desde o início, sempre via a mesma vista do dia-a-dia. E as sensações já eram manjadas e bem percebidas.
Já estava cansado de saber que coisa é sempre objeto. Que objeto é um invento. Que invento vem do homem. Que o homem nasce da mãe.
Que a mãe vem de outra mãe, que vem de outra, de outra e outra até chegar em Eva. Que foi a primeira mulher do mundo. Que nasceu de uma costela. Que era uma costela de sobra de Adão. Que foi o primeiro homem do mundo. Que nasceu do barro. Que veio da terra. Que se juntou no espaço criado por Deus! E de onde surgiu Deus? Ih! Não adianta tentar... Não tem “paratempo” que explique!
Deixei o lado de fora e olhei para dentro! Essa seria uma das regras mais importantes, pois ela ficaria para sempre no “paratempo”.  “ Olhar para dentro”!


SEPARAÇÃO : QUESTÃO DE MULTIPLICAÇÃO.


É preciso aproveitar muito bem o “paratempo” a partir do nível 5. Perguntar o que vem de dentro, para que depois a gente possa entender tudo que a gente vê do lado de fora.
Quando compreendi tudo isso eu tinha lá meus 7... Ou 8... Ou será 9 anos de idade? Não sei direito. Foi quando tive um dos maiores e mais importante “paratempo” que me lembro!
Estava de férias e, geralmente, passava com meu pai no interior. Outra coisa que não compreendia muito bem era essa história de pai morar longe da  mãe.
Acabou o amor!
Era só o que eles falavam.
Olha aí! O Amor entrando de novo nesse tempo. Esse Amor virou desamor e foi o maior responsável pela multiplicação da minha casa. Pois é, antes eu tinha apenas uma e era legal porque, apesar disso, tinha pai e mãe morando nela. Depois se multiplicou!  Ganhei outra casa bem distante da outra. Meu pai foi para lá! Lá ele encontrou um novo Amor pra dar! É Luzinete. Desde aquele tempo ela namora meu pai! Casou com ele! E a casa de lá se multiplicou também, pois ganhei uma meia-irmãzinha que nasceu desse Amor dos dois: meu pai e Luzinete.  É “meia-irmãzinha” porque a  Luzinete não é minha mãe de verdade. É minha madrasta! Dizem que toda madrasta é má! É só um boato! Então, somando tudo, eu ganhei 2 casas, 2 quartos, 1 meia-irmã chamada Glória e uma madrasta.
Apesar da mãe morar bem longe do pai, separado, claro, sempre gostei dessa multiplicação de lar! Parece ser complicado, mas só entendi isso porque o “paratempo” daquela época foi muito paciente comigo! Ou será que eu fui muito paciente com aquele tempo que a vida me dava?
Essa história de separação não é coisa ruim não!  Falta de Amor é só desculpa que dão! Acho que ainda vou ter meu tempo para descobrir que outros motivos levam a separação! Deixa pra lá, em algum “paratempo” desse, tudo vai se clarear.


SAUDADE É FALTA SENTIDA, QUASE ENTRISTECIDA!

Nessas férias, que eram muito legais, não me faltava nada. A não ser uma falta que, às vezes, dava da minha mãe. A falta era tão grande que sentia até culpa de não ter trazido ela comigo! Era nesse momento de pensamento que eu mais parava meu tempo para olhar para dentro e pensar. Antes eu não tinha noção! Não sabia que nome tinha aquela sensação! Que “murrinha” era aquela que misturava tanta coisa? Além da falta, da culpa, tinha muita pena de mim mesmo! Que danado era aquilo que eu sentia por dentro? Descobri depois de alguns “paratempos” que até o que mexia lá dentro tinha um nome engraçado, mas que resumia tudo isso.  - Eita nomezinho mais “arretado” para aquele momento: SENTIMENTO! SEN-TI-MENTO! Percebi que o olho que olha para dentro deixou de ser simplesmente olho e virou sentimento! Fiquei “craque” naquele momento!
Quando voltei para minha outra casa, o sentimento que eu tinha mudava pro lado de cá. Aquela falta tão culposa que sentia da mãe, agora era do meu pai que ficava na casa de lá. Que inferno! Aí foi que meu “para-tempo” ficou maior, pois até entender aquele sentimento novo eu não queria parar o meu “para-tempo” de jeito nenhum. E o tempo desse momento me fez compreender que tudo que sentia no sentimento daquelas férias era absolutamente normal, humano. E como todo sentimento nunca vem só, veio acompanhado de outro que ainda é muito melhor! O sentimento que eu sentia mesmo, naquele momento, chamava-se SAUDADE! Coisinha gostosa de sentir! Saudade!  Aí eu rezava para chegar logo as férias para poder sentir muita saudade!
E o tempo foi voando! Saudosamente voando!


OS PRETENDENTES DA MINHA MÃE.

Às vezes eu até achava que já estava grandinho demais para brincar de “para-tempo” e passei um tempão só passando meu tempo… E fui crescendo. Até que um dia o danado resolveu voltar.
Pois não é a gente que decide brincar disso não.  O próprio “para-tempo” é que escolhe o tempo dele para parar na gente e brincar! Eu já nem sabia mais em que nível estava naquele momento! Deixei rolar!
Já era noite naquele dia e eu já tinha ido dormir. Minha mãe estava até namorando um outro rapaz! Nesse tempo de separação, ela já estava no terceiro namorado.O primeiro foi o Natanael… Era general!  Só vivia treinando no quartel para, um dia, ir pra guerra. Minha mãe desistiu dele. Cansou de ficar esperando acabar aqueles treinos intermináveis! O outro foi Jacó, ele até que parecia com meu pai. Não deu certo! Ele tinha uma mania péssima de estalar os dedos da minha mãe! Ela odeia esse tipo de coisa! Jacó tem um segredo que eu nem sei se posso revelar… mas, se contar, talvez ele nem vá se importar! Pois é, então eu vou falar… o segredo de Jacó agora vou revelar.
Ele é o PAPAI-NOEL do shopping!
Pronto falei!!!!!
Eu achava o máximo e morria de vontade de sair gritando para todo mundo ouvir :
Minha mãe é namorada do PAPAI-NOEL!!!
Nunca fiz isso porque ninguém iria acreditar!    
O terceiro foi o Rodolfo. Parece que foi o cara ideal para fazer ela sentir aquele tal Amor, de novo. Ele tinha uma coleção de selos…
E fazia astrologia! Estudava os astros e conhecia os segredos da lua! Foi ele quem me explicou que a terra gira ao redor do sol. Que isso é o passar do tempo.
O Amor que minha mãe dava ao Rodolfo era tão grande que ela até esquecia o nome e chamava ele de filhinho. Coitado! Rodolfo era 9 anos mais novo que ela mas, mesmo assim, não parecia ser filho dela não! Tem cada tipo de Amor! Sinceramente! Foi aí que senti CIÚME pela primeira vez. Ciúme é um sentimento um pouco chato de sentir! A gente se sente um pouco trocado por alguém ou até por alguma coisa também!


NEM TODO SÓ É SOLIDÃO!

Naquela noite contei mais de 100 carneirinhos e acho que quando estava nos 150 eu adormeci. Aprendi a contar carneirinhos vendo desenho, no canal a cabo que Rodolfo instalou lá em casa. Lembro que, ao acordar, no meio da noite, senti uma coisa estranha. Uma vontade incontrolável de liberar o líquido quente que insistia em querer sair.  Quando bebo muito antes de dormir, acordo louco de vontade de desbeber, aliviar, soltar, xixizar imediatamente.
Comecei acendendo a luz do meu quarto, depois acendi o corredor e cheguei no banheiro. Só que, antes de entrar e ligar a luz do banheiro, eu percebi que estava sozinho. Meu Deus! Minha mãe tinha ido namorar no cinema... Foi aí que bateu o maior medão! Esqueci de fazer xixi e corri para clarear a casa inteira, até a luzinha da despensa eu resolvi acender. Pronto, o medo diminuiu mas, aquela vontade de esvaziar meu xixi, não. Acabei me derretendo ali mesmo, dentro da dispensa! Não conseguia nem chorar. Quando a gente sente medo não tem tempo que salve! Sentei naquela poça bem quentinha e deixei meu “para-tempo” chegar. Demorou um pouco! Ali estava eu, quietinho, quase sem respirar! Foi quando olhei para dentro do meu próprio eu, catei meu sentimento e senti a tristeza que dá! Ninguém para conversar, a mãe não está! Até a minha coragem me deixou para lá! Fui me deixando sentir tudo aquilo, aí percebi que era tempo de ficar só.
Era aquela certeza que mais me apavorava. Estar só! Quando a gente ta sozinho tudo fica muito. Vou explicar: O muito que fica é muito mais que o normal se a gente não tivesse só. E estar só aumenta o medo! É nesse momento que o escuro fica muito mais escuro, o silêncio fica muito mais silêncio! Fica tão silencioso o silêncio, que faz a gente escutar. Já pensou escutar o silêncio do ar? O sentimento daquele “para-tempo” até me confundiu. Pensei que estava com medo, mas não estava! Estava apavorado! Pensei que estava triste, mas não estava! Estava desesperado! Pensei até que tinha sido abandonado, mas não tinha! Naquele momento eu estava sozinho no mundo, e o que é pior… de noite! Aí parei… estacionei o pensamento. Deixei apenas o sentimento ficar. Parei no mesmo lugar durante muito tempo! Fui percebendo que aquele vaziozão que me fez urinar na dispensa era até normal de sentir, pois, a qualquer hora, iria terminar, porque a mãe e Rodolfo iriam voltar. Assim como o dia também chegaria… Dormi profundamente! Adormeci ali, no meio daquele “para-tempo”. Ao acordar, já estava na cama de volta, com a roupa trocada e sem entender direito como fui parar lá… Só depois de outro “para-tempo” é que minha ficha caiu!
Minha mãe ao chegar me colocou no mesmo lugar. E tudo que senti naquela noite foi apenas um pouquinho de SOLIDÃO! Só isso! E desde aquele dia, nunca mais tive medo daquele bichão. Jurei que nunca mais sentiria aquilo não!


VAI COMEÇAR TUDO DE NOVO!


Essa coisa de “para-tempo” parece até que vai abrindo a gente por dentro. E, às vezes, nem sei se é o próprio tempo que abre, ou se é a gente que se fecha no tempo aprendendo sentimento!
10, 9, 8, 7…6,5…4,3,2 e 1…

-Acorda menino! – Olha aí. Começou a faladeira toda. A fala da minha mãe sempre é a primeira!
-Corre! – Ai que fala estranha! Quem é?
-Anda, dá “bença” a teu vô moleque! – Agora é meu pai que resolve se meter e botar, insistentemente, a mesma fala na minha cabeça. Coitado do vô!
-Já escovou o dente? – Pronto, agora voltou minha mãe com mania de higiene.
-Corre, corre mais! – Essa fala ta aqui o tempo todo. Vem de uma voz que não sei de quem é… Só sei que está me perseguindo.
-Vê se cresce logo pirralho! – Até Jamelão está metido nas minhas lembranças! Ele é meu primo mais velho.  Não gosto muito do cheiro dele… Fede a manteiga.
-Cuidado com as coisas pra não esquecer! – Outra fala da minha mãe. Que mania!
-Tem vitamina na mesa. - Aqui é Zefa.
- Corre, anda, corre! - Essa fala ta aqui o tempo todo. Não consigo identificar de quem é. Só sei que me enche o saco! Mas que perseguição!
-Olha a hora, menino! – De novo! É ela. Não precisa nem dizer de quem é essa fala, né?
-Haja paciência, meu Deus! – Eu! Minha própria voz resolveu me azucrinar.
-Vai logo, corre! – Ai que saco! Quem é a dona dessa fala?
-Quando é que esse menino vai crescer? – Meu pai… Ai que faladeira, parece uma feira!
1,2,3,4….5,6,7,8,9,10 …

PSIUUUU!!!


HORA DE CONTAR E ENTENDER O QUE VAI ROLAR.


Hoje estou feliz pra “dedéu”! Tem sentimento no ar! E pra variar, não sei nem explicar! Ta tudo dentro querendo saltar! Eu estou até mais bonito, mais forte, mais sabido, mais tudo! Por causa disso quero até beijar! Soltar um beijo maior que possa dar! Izaaaa! Belaaaa! Que bela! Ela! É ela!
É ela quem me faz parar! É por causa dela que estou neste “para-tempo” até agora! Eu vi a coisa mais bela, quer dizer, eu senti a coisa mais bela que há! É bela! O cabelo dela… Que bela! O olhar dela… Que bela! O sorriso dela… Que bela Izabela! Eu não quero nem perguntar! Quanto tempo isso vai dar?! Quero ver se, agora o “para-tempo” vai explicar.
Foi depois daquele gol… foi o gol que me fez enxergar. Tava no finalzinho do segundo tempo. Naquele momento, senti uma cotovelada no peito que me fez cair. O juiz apitou e deu o pênalti da minha glória! Foi fácil! Aprumei a bola e mirei a rede. O campo inteiro parou naquela hora para ver aquele chute. Eu senti que todos silenciaram! O campo ficou mudo! A torcida inteira do clube, sem perceber, parou o tempo do tempinho do meu chute para perguntar. Foi um “para-tempo” coletivo!
Será que ele vai acertar?
A pergunta estava no ar.
Nunca vi coisa igual! Dei três pulinhos… relaxa os músculos! Na minha mira, atrás da rede, vi o sol. Parecia mais uma menina, mas era o sol! Limpei a vista e o sol era ela, mirei nela e meti o pé…
Goooooooooolllll!!!!
Foi 3 a 2 no placar geral! Ganhei o jogo e quando olhei para ela no meio daquela festa… nada! Gelei! Meu Deus, que sentimento bom! O que foi que eu vi no meu gol? Fui para o vestiário pensando naquela menina que mais parecia um sonho!
Será que tô normal?
Um “para-tempo”!


É DESCONTANDO A HISTÓRIA QUE SE VAI CLAREANDO O TEMPO DE AGORA.


Fui para casa com o pensamento nela. Tentei jogar “para-tempo” só para perguntar que sentimento doido me fez ganhar!? Mas só me vinha a bela na cabeça. Havia tanta pergunta ao mesmo tempo, que travou meu “para-tempo”! E o pensamento, assustado, nem quis chegar!
O que eu queria mesmo não era jogar nada naquele momento. Queria era sentir aquilo de novo!
O próximo jogo só seria no mês seguinte. Não sabia nem se estaria vivo até lá!
Fui para a escola doido pra contar as conseqüências daquele gol. Não foi preciso nem esperar…
O tempo apronta muitas surpresas!
Ainda no início da aula aconteceu o maior sentimento da minha vida. Muito maior do que aquele do gol!
Atenção, hoje temos uma nova amiga na sala! Vamos recebê-la com uma salva de palmas.
Falou Getúlio, o professor de religião!
O som das palmas fez entrar naquela sala de aula, um furacão. Pronto! Era ela! Meu Deus era ela! Não foi nem preciso esperar a próxima partida. Que sentimento era aquele!? Meu coração batia tão forte que pensei que sairia boca-a-fora! Eu tremia mais que as palmas da turma inteira!
Meu Deus que sentimento estranho!
Um “para-tempo”!
Ela entrou com o sorriso mais lindo que eu já tinha visto. Ela nem andava com os pés no chão. Parecia que flutuava numa nuvem! O cabelo parecia um sol de tão amarelo que era! Foi o cabelo dela que confundiu com raios solares do dia do gol! E os olhos!? Ai, mas que sentimento era aquele Deus meu?! Fiquei parado… só sentindo!
Ah não… É sentimento demais para uma pessoa só!
Reclamei inconformado ao “para-tempo”!
IZABELA !
Ela falou com aquela voizinha numa oitava acima! Não entendo bem de música, sei apenas que além das notas musicais, existem tons e cada pessoa tem timbres, formas e vozes diferentes. Sei que no caso da voz dela, fininha e feminina, só restaria uma oitava acima para ficar mais romântico de explicar. Acho que entendo muito mais de matemática, que de música… Que lindo é o nome dela!
Fui para casa pensando na bela Izabela, almocei pensando nela… Que saudade eu já estava dela!
Naquela tarde comecei a enlouquecer perguntando ao “para-tempo” o que eu devia fazer.
Isso lá é pergunta que se faça ao tempo Severino?
Reclamei aos meus botões!
Acorda menino!
Meus botões me fizeram voltar a realidade. Um saco!
Comecei a calcular quantos sentimentos me faltam chegar para saber como lhe dar. Doei muito do meu tempo naquele “para-tempo”.
                 

NEM PASSADO, NEM FUTURO. A PAIXÃO É UM PRESENTE!

PAIXÃO! - Era essa a razão da tamanha vontade de ver minha bela.
PAIXÃO! Acho que isso é sentimento de colar… De grudar o pensamento no tempo daquela pessoa. Ficar grudado nela! Capaz até de fazer com que o grude se tocasse, a ponto de querer se transformar, virar um só! Foi aí que tudo baratinou de vez! Deu o “créu” no sentimento. Essa PAIXÃO grudenta cola o pensamento na pessoa desejada! E chega num determinado ponto, que acaba sendo impossível descolar da cabeça. Dá vontade de conhecer mais e mais a bendita pessoa. Conhecer profundamente, interiormente, infinitamente… Será que ta dando para entender minha primeira PAIXÃO?  E digo mais, se eu não estiver enganado, meu sentimento por Izabela continua o mesmo! Apenas um pouco maior, mas ainda o mesmo. Ah! PAIXÃO que num sai nem a pau desse sentimento! É a melhor coisa que tem no momento! PAIXÃO é querer ficar, estar, sonhar, fazer tudo com a pessoa. Quer dizer, com Izabela! Dizem até que PAIXÃO vira AMOR e às vezes nem chega a virar… Mesmo assim nada está muito claro pra mim! Se PAIXÃO pode virar AMOR, então o que vem depois? Eu só queria mesmo saber do “paratempo” quando é que vai mudar. Será que é possível pular de sentimento!? Deixar a PAIXÃO para lá e ir direto para o AMOR? Definir de uma vez, esse tormento!?


ISSO TUDO É AMOR?

Voltei o tempo, recapitulei todos os meus momentos, meus sentimentos e nada! Foram tantos sentimentos passados, mas nenhum se igualava ao que estava sentindo. SAUDADE, SOLIDÃO, PAIXÃO ou AMOR? Apesar de não conhecer Izabela por dentro, confesso que este último era o mais próximo que se enquadrava naquele tão bem vindo sofrimento. Sim, porque qualquer um dos sentimentos que falei, dependendo da ocasião, causam um baita sofrimento! Nesse caso até que esta sendo gostoso sofrer! Aí reformulei minha pergunta ao “paratempo” e larguei a danada no ar:
Isso tudo é AMOR?
Foi em vão… Ele não quis responder!


CHEGA DE FILOSOFAR, A HISTÓRIA VOU DESCONTAR.


A carteira da bela Izabela ficava na frente e, portanto, bem distante da minha. Eram distribuídas por ordem alfabética, pois o “I” de Izabela fica a 10 letras do meu “S”. Ficaria impossível um contato casual.
A separação das carteiras dificultava muito minha aproximação com ela. O que eu mais queria era falar, conversar um pouco! Inventei infinitas estratégias:
Chegava na sala de aula atrasado, de propósito, só para ser notado.Ela nem percebia!
Espirrava bem alto no meio do silêncio na esperança de ser agraciado com uma “saúde”.
Ela nem percebia!
Deixava desenho no quadro negro, com minha assinatura na hora do recreio. A professora apagava a minha obra de arte…
E ela não notava que aqueles desenhos, nem Picasso conseguiria! Mesmo assim, ela nem percebia!
Ao passar ao seu lado, sempre deixava cair alguma coisa só para ver que reação iria causar.
A sala inteira notava a minha apelação e ela nem percebia! Nada funcionava! Ai que coisa é essa que vai aumentando a cada tempo que vai passando?!   Um “paratempo” no ar!
Até que um dia, sem querer, ela deu sinal de vida.
Naquele dia precisei faltar! Estava em tempo de fazer manutenção no aparelho com o meu dentista. Faltei!
Geralmente a professora faz a chamada pelo número, e não pelo nome da pessoa. No meu caso, o meu número sempre foi 34, desde o ano retrasado.
Quando um aluno falta na minha escola, alguém responde “faltou” por ele. O “Presente” só é respondido pelo aluno que não faltou!  1,2,3….8,9…12,13,14…
A professora substituta iniciou a chamada e parou no número 14 quando duas meninas responderam a uma só voz:
PRESENTE!

14?!
Insistiu a professora substituta. Responderam iguais:
PRESENTE!
A professora, confusa, resolveu tirar a dúvida e o impasse. Notou que em sua caderneta tinham duas alunas com o mesmo número. Só que uma era a Irene. Uma sardenta bonitinha que adorava andar na moda! E a outra, que estava escrita a lápis, sob o mesmo número 14 da caderneta, era Izabela. Era ela! Por ser novata, ela teve que se encaixar no “I” mais próximo. O número 14! Irene!
Continuou a chamada! Ao chegar no meu número, o 34, alguém respondeu por mim:
FALTOU!!!!
Foi ela! Ela quem respondeu minha falta!
Minha nossa, quando soube dessa história fiquei louco de orgulho! Adorei ter faltado! Foi a melhor falta que alguém pode receber! Só soube disso tudo porque Pedro Paulo me contou. Pedro Paulo é meu melhor amigo da escola  e devo muitos favores a ele.


UM NÓ DE PRIMEIRA VIAGEM.


Foi por causa daquele “faltou” de Izabela que decidi falar com ela. Tomei a coragem necessária! Esfreguei as mãos para sair o suor, ajeitei o cabelo, cheirei o “sovaco” e fui em frente!
Oi Izabela!?
Perguntei com um tremendo nó na garganta.
Oi!
Ela respondeu e ficou esperando que eu continuasse a perguntar.
Tudo bem Izabela?
O nó ainda estava lá.
Tudo!
E ela continuou a esperar.
Eu olhei para os dois lados, não tinha o que falar… e falei, quase sem respirar, a primeira coisa que me veio à cabeça:
Que horas são?
Pobre de mim!
Sei lá!
Respondeu e saiu sem falar mais nada.
Ai que ódio eu tive de perguntar tamanha besteira, justamente naquele tempinho de lá! Pronto! Perdi o tempo, o meu momento! Precisava aproveitar para dar asas aquele sentimento, perguntando coisas que tivessem cabimento!
Vi que era aquele o momento certo de parar o tempo, raciocinar e outra vez perguntar! O “para-tempo” tinha que me ajudar. Pois, até aquele, dia nunca me deixou na mão, não seria ali que iria me deixar.
Meu Deus que sentimento é esse que me faz mudar! Se não é PAIXÃO, nem AMOR, o que será então!?
Isso sim é que é um baita “paratempo”!


A IDÉIA DO VÔ SEVERINO!

No meio daquele “paratempo” lembrei do meu vô Severino. Ele morreu de tempo esgotado… velhice. Deu o que tinha que dar! Ih!! Não sei porque ele veio parar logo nesse “paratempo” de cá!? Olha aí, será que o “paratempo” enganou-se, pensando que era saudade do meu vô? Deixei rolar!
Antes do tempo dele acabar, Vô Severino ficou gagá. É! Quando a gente fica muito velhinho, o tempo da gente quer voltar. O tempo dele voltou muito tempo. Voltou tempo demais! Passou da conta o tempo que voltou! Foi por isso que ele ficou assim: Gagá! Vô Severino costumava escrever coisas para mim! Também não podia mais falar, por causa do derrame, coitado! Aí ele escrevia! Tudo que ele queria falar escrevia, escrevia muito… Era uma tagarela na escrita!  Infinitas palavras ele escrevia. No meu aniversário, ano passado, ele escreveu uma coisa para mim!

“Severino, meu neto, feliz aniversário ! Não trouxe um presente, mas trouxe um pensamento:Passe o tempo que passar... mova as pedras do lugar…queira sentir sempre o que seu coração mandar”.
Do Vô que te Ama muito :  Severino!

Até o vô conhecia esse tal Amor. Só que o dele nunca se acabou. A morte foi quem separou ele da vó! Naquele tempo não entendi direito o pensamento que ele me deu de presente.
Estava eu ali, no meio de um “paratempo”, doido para resolver o problema do sentimento daquele momento… E meu Vô Severino chegou no pensamento só para complicar!
Ai Deus meu, que sentimento é esse que Izabela resolveu me dar?
Um “paratempo” dentro de outro “paratempo”!
Quando ainda lembrava do vô naquele “paratempo”, veio um estalo no pensamento. Uma ideia clareou definitivamente no meu tempo.
E se eu convidasse ela para parar no meu tempo e conhecer o “paratempo”?   Que ideia genial!Não conseguia falar por causa do nó da garganta, então fiz igual ao Vô Severino: Escrevi! Pois é, fiz um convite escrito, e não verbal.

 “ Cara amiga de classe, Izabela. Gostei muito de você! Preciso fazer um convite sentimental!
Do amigo da mesma sala, Severino.
 P.S. Responda-me por escrito.”
               
Como eu devia muitos favores a Pedro Paulo, ele não se importaria de me fazer mais um para aumentar minha dívida. Foi ele quem entregou o bilhete em mãos a Izabela. E ainda fez questão de ficar esperando ela escrever a resposta para me entregar.


O PRIMEIRO FORA A GENTE NUNCA ESQUECE!


“ Severino,faça seu convite sentimental quando quiser! Não gosto de festinha sem graça, cinemas insossos ou programinhas infantis.                 Infelizmente não aceitarei seu convite, pois sou comprometida!                                               Izabela.
P.S. Por favor não insista.”

Pedro Paulo ficou esperando uma resposta minha para entregar a ela. Eu o dispensei! Passei dias para escrevê-la outra vez. Aquela história de comprometida me estressou! Fiquei um pouco triste naquele tempo. Parei muito no meu “paratempo” para achar uma saída daquele sentimento! Foi em vão! Que PENA! Virou PENA, DÓ, VERGONHA e DOR DE COTOVELO! Tudo que sentia antes daquele dia virou PENA… De mim!
Passei dias sem olhar para ela. Sentia VERGONHA e PENA!
Será que já é hora de separar?
Um “paratempo”.
Será que desisti, deixei de amar?
Continuei no mesmo “paratempo”!
E ele não estava nem aí.
A tristeza era grande! Foi lá, bem no fundo dela que meu “paratempo” resolveu dar sinal de vida. Fiquei parado no ar… Nunca tive um tempo tão longo no “paratempo”.Não, separação ainda não! Era muito bom aquele AMOR, que ainda nem se completou, que eu tinha por Izabela. Bom demais, para voltar atrás! O fato é que foi dura a revelação dela! Ela é comprometida… COM-PRO-ME-TI-DA! Talvez nem valesse mais à pena convidá-la para nada, muito menos para conhecer um “paratempo” de uma pessoa assim. Sem chance! Mesmo sem notar, meu “paratempo” tentou explicar que aquele sentimento era DECEPÇÃO e não pena de mim mesmo! Aquela coisa dentro de mim estava tão ruim que quase me fez ignorar meu próprio tempo.
Deixei a DECEPÇÃO de lado e fui para ponta do lápis e fiz o segundo e decisivo bilhete para ela. Realmente fui insistente! Eita cabrinha chato da gota!

“Bela Izabela ,gostaria de convidá-la para UM  PARA-TEMPO NO  SENTIMENTO.
Do sempre Severino”


O REFLEXO MOSTRA A CARA DO TEMPO.


Pedro Paulo faltou naquele dia! Então, não pensei duas vezes! Fui entregar o convite pessoalmente… Esperei o recreio! Ela pegou o papel da minha mão, antes mesmo de falar alguma coisa. Não pude ficar para ver. Não tive coragem, seria demais para ouvir um não. Acabou o recreio antes mesmo dela ler. Fui para casa sentindo um vazio insuportável! Será que ela vai topar? Pensei em outro “paratempo”.

Naquele dia não consegui dormir… Senti muita solidão! Acendi todas as luzes e sentei no chão. Solicitei de imediato um “paratempo”. De nada adiantou, ele não chegou! Sentimento estranho, um pouco complexo, sei lá! Não pensava em nada, não sentia nada, não queria nada… Depois de algum tempo, notei que tinha sentado em frente do espelho.
É que no meu quarto tem um guarda-roupa de casal, que foi dos meus pais quando ainda tinha AMOR. Ficou velho! Todas as minhas roupas e coisas estão nele. Tudo! Minha vida toda ta lá dentro. O espelho fica  na porta do guarda-roupa, do lado de fora.
Quando me vi no espelho, deixei o “paratempo” para lá e perguntei a mim mesmo:
Será que ela vai topar!?
Fiquei me olhando o tempo inteiro. O eu daquele lado de lá estava um pouco diferente. Parecia até que o tempo correu mais do lado de dentro do espelho. Meu cabelo! Meus olhos! A boca! Estavam maiores do que eu pensava. Tirei a camisa e vi! Meu corpo… Meu corpo… Nunca tinha percebido aquilo. Às vezes a gente se preocupa tanto com o lado de dentro, que esquece o lado de fora. E esse lado muda muito, tanto que a gente nem percebe! Meu peito estava maior… tinham mais músculos no meu corpo. Parecia até que não era eu! Parei… Tirei o calção, a cueca e fiquei nu! Peladão… Na frente do espelho! Tudo parecia diferente! Pelos! Nunca tinha visto antes em mim! O pinto! Estava.... duro… “O tempo faz ele ficar duro quase toda hora”. O espelho! O tempo... O tempo entrou também no espelho! E olhei tanto que esqueci até que tava nu!


A RESPOSTA TÃO ESPERADA DO FIM DE UM COMEÇO!


Severinoooooooo!
Alguém gritou lá dentro.
Corre aqui. Tem alguém no portão querendo falar com você!
É ela!
Pensei assim que ouvi.
Já vou!
Respondi vestindo a roupa.
Era Pedro Paulo! Que saco! Cortou meu barato!
Trouxe uma coisa que você vai gostar.
Falou todo cheio de si.
Oba me dá logo pra cá!
Respondi sabendo logo o que era.
Tranquei-me e fui logo abrindo o envelope. Comecei uma contagem regressiva daquele tempo, afinal precisei terminar o tempinho que me restava para entrar num novo tempo… num novo sentimento! E comecei a descontar de novo.
Fechei os olhos e me deixei levar! Todos tentaram atrapalhar! Eu nem liguei! Eu ali era todo sentimento. Fiquei parado no ar, mas corria muito por dentro!
10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2,1
                                     
-Acorda menino!
-Corre!
-Anda, dá “bença” a teu vô moleque!
-Já escovou o dente?
-Corre, corre mais!
-Vê se cresce logo pirralho!
-Cuidado com as coisas pra não esquecer!
-Tem vitamina na mesa.
- Corre, anda, corre!
-Olha a hora, menino!
-Haja paciência, meu Deus!
-Vai logo, corre!
-Quando é que esse menino vai crescer?

E, como sempre, nesse momento, comecei a contar, de ordem crescente. Para poder o novo tempo entrar:
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10…Psiuuuuu!!!!


È PRECISO DESCONTAR PARA AMAR!


Às vezes gosto de ficar assim, quietinho, olhando para o vazio, para o nada… mesmo quando estou sem tempo…  mas mesmo sem ele, tomo um tempinho para ficar aqui… parado… no correr do pensamento.
Aproveito essa parada do tempo, e olho para dentro.
O tempo entrega sentimento e o sentimento muda o próprio tempo! A natureza é cheia desses mistérios! O “paratempo” foi feito para entendê-lo, e não decifra-lo! Sei que ao ler esta carta tudo vai mudar! Talvez a partir dela as coisas vão clarear! Como o sol! O sol de Bela!
Izabela, sem saber, me deu a resposta de um “paratempo” difícil de encontrar!
Agora estou aqui, pronto para mudar! E ao acabar de ler a preciosa e definitiva resposta, sentirei o que nunca senti! E foi preciso muito tempo para sentir isso aqui! Tudo que estou sentindo agora nem o “paratempo” vai explicar!
Corri muito para pegar ela… Porque só sentindo o tempo é que ela vai chegando e vai mudando… ALEGRIA é pouco para explicar tudo isso! Taí mais um sentimento que chega no finalzinho desse “paratempo”!  Talvez nem tenham inventado uma palavra ideal para esse momento, mas a que mais se aproxima é aquela que realmente muda tudo…  De ALEGRIA passou para FELICIDADE… FELICIDADE não se transforma mais, é a linha de chegada mais desejada de qualquer sentimento. Chegou para ficar! É da natureza! O “paratempo” não vem mais, nunca mais, durante um longo tempo da minha história… Porque durante todo esse tempo de descontar ele veio para transformar cada sentimento… do meu crescimento até o momento de RECONTAR.



“Querido Severino,gostaria de saber que história é essa de “paratempo” no sentimento. Sou comprometida com o meu tempo, mas resolvi ceder um pedacinho dele para aceitar seu convite. Te espero ansiosa na quadra do colégio agora! Um beijo da sempre querida, Izabela.
P.S.Traz um guarda-chuva que esta chovendo muito, tá?”

-Acorda menino! – minha mãe.
-Corre! – Aquela fala estranha.
-Anda, dá “bença” a teu vô moleque! – Meu pai.
-Já escovou o dente? – Minha mãe de novo.
-Corre, corre mais! – outra vez a tal voz estranha.
-Vê se cresce logo pirralho! – Jamelão caatinga de manteiga
-Cuidado com as coisas pra não esquecer! – Mãe.
-Tem vitamina na mesa. – Zefa.
- Corre, anda, corre! – Eita, peraí que eu tô reconhecendo…
-Olha a hora, menino! – Minha mãe.
-Haja paciência, meu Deus! – Eu!
-Vai logo, corre! – É ela, a voz é dela! IZABELA!!!!
-Quando é que esse menino vai crescer? – Meu paizão.

Fim ou começo?! Depois eu desconto tudo denovo...

                       ...Para meu sobrinho Matheus.
                                                         fevereiro 2003



quinta-feira, 5 de abril de 2012

Um dia, em meio a tantas
questões, estava eu em terras estrangeiras sofrendo saudades e ansioso para que
alguma coisa acontecesse ou me SALVASSE.
Pois bem, foi exatamente
nesse momento que olhei para o céu e vi uma estrela caindo a poucos passos de
mim.
Apesar da curiosidade, fiquei
na minha, acomodado na mesmice. Percebi que naquele lugar todos já tinham se
transformado em lobos. Apenas eu ainda tinha aquela aparência humana. Meu olhar
não desviava do rastro da estrela. Senti uma inquietação e uma vontade de
enfrentar os lobos e, sem ser mordido, ir prestar ajuda a tal estrela caída e,
agora com pouca luz.
Tomei coragem e fui ao seu
encontro. Apesar da queda, parecia que ela estava inteira e respirava bem... o
mesmo ar que o meu.
Ao chegar bem perto, senti
cheiro de perigo no ar, mas não tinha mais como voltar atrás e toquei na
estrela. Era lisa como uma pele de golfinho, ela imediatamente olhou pra mim,
vi em seus olhos uma alegria que um dia eu já havia sentido, percebi que ela
balbuciava bem baixinho algumas palavras e foi aí que me aproximei mais e mais.
Senti um desejo quase incontrolável de beija-la, mas não quis invadi-la e me
contive à minha humilde inferioridade de ainda ser um humano. E ao pé do ouvido
veio um pedido celestial.
- Homem, caí para que você percebesse a
minha luz. Agora que veio ao meu encontro, trago um pedido La de cima para você
cumprir, se fortalecer e se transformar em lobo igual a todos que permeiam por
aqui.
Naquele instante fiquei em
duvida se queria virar lobo igual aos outros, mas senti que aquela pequena
estrela se sacrificou para me ajudar, então me interessei em saber que pedido
tão importante seria este que caiu do céu?
E como num último suspiro de
luz, a pequenina informou:
- entre suas angústias e no escuro da sua
solidão, escreve, escreve, escreve uma estória. Seja ela qual for, a que vier
de sua cabeça. E aí encontrarás o que procuras.
E num sopro a minha estrela desapareceu.
É por ela que começo aqui
essa estória... não quero, não gostaria de
deixar de ser humano, mas pelo sacrifício da estrela, só por isso
escrevo essa estória para ser igual a
todos e virar UM LOBO!

VOU CONTAR A HISTÓRIA DE UM
CERTO ZÉ.
Zé nasceu...
e não chorou.
Dizem que não é bom sinal
quando alguém nasce e não chora!
Cresceu aprendendo a se
desviar de balas perdidas.
Era um cara pacato,
silencioso e não compreendia muito bem as pessoas.
As vezes ele até entendia, mas entendia
diferente das outras pessoas.
E por isso se isolava com
medo de ser mal compreendido.
Zé nasceu feinho, mas foi conquistando
a beleza aos poucos.
Era muito amado, mas também
muito esquecido.
Tinha dificuldade para achar
amigos. Mas quando encontrava, se doava por inteiro. E ao se doar, descobriu o
que é também se decepcionar.
Por saber que tinha essa
característica, Zé se encaixotava.
Certo dia Zé descobriu que
poderia se esconder dentro da bondade.
Só que ele levou essa ideia
ao pé da letra. Ao ponto de nunca negar nada a ninguém. Ele passou tanto tempo
convivendo com isso, que tornou-se impossível sair de sua boca a palavra NÃO.
E assim Zé foi vivendo
pacatamente.
No fundo, ele era muito
carismático, mas não percebia.
Ele simplesmente acreditava que as pessoas se
aproximavam dele porque sabiam que ele era inofensivo, sabiam que ele não pronunciava o NÃO. E por isso ele
não relaxava. E sua vida foi passando. O tempo foi passando.
Certo dia Zé teve uma atitude
e resolveu melhorar tudo em sua volta
através da força do pensamento. Então ele começou praticar e achou que com isso
entenderia melhor as pessoas. Mas ainda assim ele não pronunciava a tal
palavra.
Passou a não ter medo das
balas, pois ele já saía de casa colocando no pensamento que nenhuma delas iria
atingi-lo... tudo quanto é dificuldade Zé não sofria porque ele resolvia tudo
dentro dele mesmo, no seu pensamento. E assim Zé foi vivendo; o tempo foi
passando e ele vivendo sem negar e sem encarar!

sábado, 5 de março de 2011

medo de PAPANGU!


Lembro do som das castanholas! Remeto-me a um medo crescente. Medo de menino. De algo que não sabia o motivo, nem de onde vinha. Talvez um medo ancestral, enraizado e que, talvez, me perseguia bem antes da minha existencia. Uma herança que me fazia chorar.

O som se aproximava cada vez mais! Era carnaval...

O som vestia-se de cetim colorido e mascarava-se as vezes de mulher maquiada de papel machê e outras de monstro, quando não, era apenas um capuz com olhos furados. Arrepiava-ma! Uma dor na alma! parecia que estava diante da personificação do capeta!

Anos depois descobri que esse medo tinha sempre data e hora pra chegar. Sempre nos carnavais! Um medo anunciado ao som de um "trotado" de castanholas mágicas. PAPANGUS!


PAPANGUS são alegres foliões que circulam pelas ruas das cidades durante o carnaval de Pernambuco. Dando um colorido especial à festa. Mas nem sempre foi assim. Originalmente os PAPANGUS eram figuras grosseiras e temidas que acompanhavam as procissões religiosas, tocando trombetas e dando chicotadas em quem atrapalhasse o cortejo. Luiz da Câmara Cascudo diz que "o termo PAPANGU vem de uma espécie grosseira, assim apelidada, e que, à especie de farricoco (NR. encapuzado que acompanhava as procissões de penitencia tocando trombeta de vez em quando), tomava parte nas extintas procissões de cinzas, caminhando a sua frente, armado de um comprido relho (chicote de couro torcido), com que ia fustigando o pessoal que impedia sua marcha."

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ORCA LUA - lunyk 2


Num mundo onde o aquecimento global está cada vez mais atuante, mais avassalador, vivia uma orca albina.
O nome dela era LUA, devido a deficiência genética, sua palidez era exarcerbada. A coitada enxergava menos que as de sua familia, também herança da albinez de nascença.
Porém, sempre foi uma criatura feliz e animada. Era demasiadamente rechonchuda e imensa, talvez a maior de sua espécie. Absolutamente letrada e inteligente ao ponto de se destacar no mundo oceânico pela sua sabedoria. Aliás, Lua se destacava em tudo. Até que para uma baleia pré-histórica, tinha alma de criança. Todos os cardumes, dos mais variados possíveis, gostavam de ouvir as histórias de Lua. Lua era uma verdadeira contadora de histórias de amor, suas preferidas as de William Shakespeare, histórias que ela aprendeu nos livros naufragados de um navio que um dia transportou cargas valiosíssimas. E que numa terrível tempestade, perdeu o oriente e afundou pra nunca mais voltar.
Pois bem, sempre quando se dava o inverno nas profundezas que já eram geladas da casa de Lua, toda família viajava, sempre em bando, pras águas tropicais da América do Sul.
Um dia, numa dessas viágens, Lua sentiu-se um pouco cansada e resolveu separar-se um pouco da família e, com isso, perdeu o rumo.
Como a vista lhe era fraca, decidiu seguir viagem obedecendo o caminho que transforma a temperatura da água. Estaria ela no caminho certo se a temperatura fosse aumentando e o gêlo fosse ficando cada vez mais pra trás.
Acontece que, em tempos de hoje, onde as mudanças climáticas são forçosamente trocadas de lugar, onde tempos atrás, inverno era inverno e verão era verão sempre nas mesmas épocas, no tempo de Lua, o atual, já não é bem assim. E quanto mais Lua nadava, menos ela sentia o calor da costa do sul. Mas era só impressão, na verdade ela estava certa, mas devido a essa inconstãncia da natureza, Lua além de se perder da família, encalhou na praia de Maria Farinha.
E agora? Se Lua não desencalhasse dali antes do amanhecer, ela iria pros cafundó. Iria morrer! Pois, além de sua pele muito clara e, por isso não pode receber os raios do sol, sua potência respiratória para guardar oxigênio era pouca. E agora?
Josué, pescava naquela noite.... era um dia péssimo para pesca, a água estava sargaçada demais, a maré muito baixa, nunca Josué tinha visto uma maré daquele jeito em sua vida. Mais um resultado do aquecimento global. O mar estava totalmente desregulado.
Foi então que ele, Josué pescador, avistou uma coisa branca lá longe. Era tão matuto o ignorante Josué, que a primeira coisa que ele fez foi olhar pro céu pra ver se a lua ainda estava lá. Naquele momento, não tinha lua e sim nuvem. Então Josué deduziu erroneamente que a lua descolou do céu e caiu no mar, pois aquela bola branca que ele via na beira da praia só podia ser a lua descolada do céu.
Realmente Josué estaria certo em pensar que era a lua, pois pra quem vê de longe e no escuro da noite, pode muito bem confundir uma Baleia albina com a lua do céu. A semelhança é de doer!
Josué, com medo de nunca mais ver lua no céu, ver luz em noite de pesca, largou o barcou e saiu acordando Maria Farinha inteira para ajudá-lo a lançar a lua de volta pro céu. Juntou pescador, turista, menino, menina, cachorro, gato, papagaio e fizeram uma grande corrente humana.
Lua nem respirava mais, pois já fazia muito tempo que estava encalhada no meio daqueles sargaços. Mas nunca que lua, contadora de histórias de amor, perderia as esperanças. Lua sempre acreditou nos finais felizes de suas histórias e tinha certeza absoluta que sua história não seria diferente.
Josué pediu então que todos juntos empurrassem a lua pra cima, mas teriam que empurra-la todos juntos quando ele dissesse já. E, quase amanhecendo, Josué deu seu grito: JAAAAAA!
Foi num único e poderoso solavanco que a Lua se desprendeu dos Sargarços e, só assim foi que Josué percebeu que aquela bola branca não era a lua do céu que tinha caído, mas sim a Lua do mar, uma baleia que tinha se perdido. E as núvens que cobriam a lua, se dissiparam e mostraram uma bola cheia de luz lá no céu e foi essa luz que abriu caminho para que os olhos fracos de Lua Orca pudessem enchergar o fundo do mar.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

MISÉRA






























Ele é fruto do cruzamento entre uma vira-lata no cio com um paulistinha fugitivo.
Ele só tem pele,osso e pulga.
Feio demais... faminto demais.
O encontramos ao relento numa chuva de verão, numa esquina movimentada de Jaboatão.
Depois de passarmos no mesmo local durante 3 dias, lá estava ele esperando uma atitude.
Levamos pra casa.
Eita bicho fedorento!
Carregamos num saco... de farinha... pra casa!
Pra cuidar, dar banho, comida e carinho.
Mas como dar carinho a um ser tão feio?
Um ser quase invisivel?
Antes precisávamos dar um nome a ele.
Coisa de humano é querer dar nome a tudo.
Qual?
Antes de ter uma idéia, passou rapidamente um comentário.
Isso é um miserável!
E passamos a chama-lo de MISÉRA.
Entendam.
Não é miséria, é MISÉRA.
MISÉRA.
Sentiu-se acarinhado com esse nome.
Era um nome engraçado como ele... combinava.
Era MISÉRA pra lá, MISÉRA pra ca...
Tentamos mudar umas 2 vezes, mas o danadinho só atendia por MISÉRA.
No primeiro dia ficava ele todo mirradinho tremulo de medo nos cantos da parede.
Aos poucos foi descolando passo a passo.
Ensinamos os costumes da casa, os modos e o abraçamos.
MISÉRA foi aos poucos ganhando um por um.
Antes chegavamos em casa e íamos fazer as coisas corriqueiras.
Cada um o seu ritual de chegança.
MISÉRA passou a ser o ritual coletivo.
De chegança e de partida.
Oi MISÉRA!
Tchau MISÉRA!
Comiamos separadamente em horas distintas.
Depois dele, passamos a comer juntos só pra ter aquele grude ao pé da mesa: MISÉRA.
Compramos coleira e começamos a sair todos os dias com MISÉRA pra desopilar.
Coleira para uma criatura como MISÉRA era como se fosse um troféu de cão com dono.
Um distintivo canino. Um registro. Um atestado. Uma certidão.
Ele saía todo amostrado com aquele cinto no pescoço. Fazia confusão e escandalo pros vira-latas sem dono. Fazia inveja mesmo.
Era o cão chupando manga!



A vizinhança pegou simpatia, "feição" por MISÉRA.
Até as outras criaturas gostavam de ver como MISÉRA agia, seu jeito de ser era peculiar demais... era muita felicidade para uma bicho feio como ele. Tinha muito Dono querendo cruzar suas fêmeas com MISÉRA.
MISÉRA passou a não ser mais tratado como uma criatura desprezível, fedorento ou invisível. Ficou querido, perguntado e acalentado até por seres de outras espécies. Por estrangeiros até.
Todos queriam ser iguais a MISÉRA. Até os belos e de bom berço.
Abriram até um pet shop com uma placa na entrada:
MISÉRA PASSOU POR AQUI! VENHA VOCÊ TAMBÉM. ACEITAMOS CRÉDITO.
Já nos perguntaram porque não trocamos de vez o nome de MISÉRA. Respondemos que esse é o único nome que ele quer ser chamado... MISÉÉÉÉRAAAAAAAA!
Acreditamos que foi o estado miserável em que ele foi encontrado que o transformou, que nos chamou atenção. E foi assim que ele foi abraçado pelo nosso amor... foi o sentimento humano que o acolheu, deu de comer e acarinhou.
Foi a compaixão que percebeu que apenas a miséria em que MISÉRA foi achado, poderia ser mudada a favor de si e dos outros.
MISÉRA é a alegria bem sucedida de Jaboatão!
Jaboatão não mudou o nome de MISÉRA...



Jaboatão mudou a condição...



MISÉRA mudou Jaboatão.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

GERAÇÃO LUNYK


Em tempos egoísticos, desumanos, revoltosos, cegos, nesceu um sentimento novo: O DESAMOR.
Tempos em que filhos eram gerados, beijos roubados e cerimônias realizadas sob o efeito lunatico, eram cada vez mais ficticios. Irreal.
Tempos em que relacionavam-se por email, msn, orkut, skype e punham como pano de fundo virtual um retrato lunatico. Era avassalador.
Tempos que pra se conhecer em banco de praça, comendo pastel ou até mesmo cantarolando à luz da lua. Era lenda contada por velhos cacarecos com um pé no hospicio.
Tempos de códigos e gírias... que FICAR significava beijar 25 numa balada. Balada só seria boa com vodka à luz estroboscópica.
Aqui jaz pedir mão em namoro na mesa de jantar, beijar à luz da lua cheia depois de 2 semanas de mãos dadas. Conversa olho no olho. Ih nem pensar.
Juntaram-se os “loucos”, estudaram a modernidade e o tempo avançado afim de afastar os prédios e abrir campo de visão da lua.... a lua estava cada vez mais sem os ver, como se uma catarata de tijolos e elevadores a cegasse gradativamente...
Então eles aprenderam a lingua dos jovens, lingua que se teclavam ao invés de solar palavras... linguas que viravam cada vez mais abreviaturas... xau davam com x, vc engoliam as vogais, e o tic tac do tempo que so se escrevia com TP só afastava mais a relação lunatica com a terraquia.
Depois de aprenderem a lingua e os costumes dos “modernos” foi que identificaram o mal que estava por ali: O DESAMOR.
Porque sem o amor não se fecunda, não se espalha, não se namora, não se expande, não se aproxima, não se vê... sem o amor só se morre, invisivel se torna.
Foi aí que perceberam que ninguem tava entendendo o que a natureza estava alertando. Em forma de vendavais, catastrofes, desastres, tissunames, terremotos... mas os meios de acesso virtual mostravam uma realidade também virtual. E as operadoras facilitavam em promoções e com isso, cada vez mais afastavam e desinformavam com outras informações. A lua só na tela “touch screen” ou em 3d ou HD.
E esses que aprenderam o novo, Inventaram uma estratégia de resgate salvatorio lunatico.
Onde massificaram os meios de comunicação virtual marcando data e hora para um encontro coletivo com o amor, com o maior numero de internautas possível no maior campo de futebol do mundo.... entraram em todos os emails possíveis como um vírus “perigoso” do bem.
Marcaram data e hora para o dia do abraço de amor. “vamos abraçar a lua!”
Uns toparam para relembrar os bons tempos, outros para ver se aquilo existia mesmo, outros por pura curiosidade e outros por dificuldade de demonstrar o amor.
Fizeram coisa semelhante em woodstok, mas esse seria mais abrangente.
Deram o nome desse projeto de LUNIK.
“LUNIK não é vírus, portanto aceite essa corrente...”
E esse dia ficou no calendario até hoje.
O dia LUNIK é o dia da LUA CHEIA...
de amor!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

JAI CONJOTA


oi

meu nome é Jai Conjota...

não...
não com j.

É Jai Conjota "mermo".

Conjota é o sobrenome.

Nasci e vivi a vida toda aqui "mermo".

Mossoró.

Tenho quase 85 "ano" e ja perdi as "conta"

dos "ano" que vivi sem dar uma mordidinha num

"taco" de carne.

Seja qualquer tipo de carne.
A de boi, de vaca, carneiro, cabrito, galinha assada, guisada...

nem peixe que é mais "facim" de "martigá" eu consigo.

Tudo porque fui me desdentando nessa "derrota" de tempo.
Tempo passa arrancando osso da gente.

Eu vim pra pedir.
Careço demais rapaz!
"Demai mermo".

Uma "chapa"...

Que é pra ver se eu "raigo" um gostinho duro de Charque.
Peço porque num tenho papel de boa valia que possa "comprá".

Faz é tempo que
charque só conheço o gosto chupando...
chupo até virar borracha.
Depois?
ôxe
Depois eu cuspo... Feito "chicrete".
Meu maior sonho é ter uma
Chapa!

Não me venha com "imprante" não.

Quero "mermo" e muito
é uma chapa ...
que eu possa botar só pra mastigar a carne...

Depois tirar quando bem entender...

Gosto de ser "banguelo" mermo.
Tô "custumado demai".

Gosto de beijar
com a boca vazia...

Assim o beijo desliza "meió".
Gostoso que só.
Né?

As menina gosta!

Até pra rir sem nada na boca é bom!
É mais aliviado rir sem dente podre pra mostrar.
O bom é "num" ter dente nenhum
O "rim" é mostrar uma vaga sobrando no meio da
régua branca...
"muitas vêis" encardida.

Quero tanto uma chapa!

Pra que eu quero?
Ôxe
E eu "num" já falei?
Quero pra mastigar, num falei?
Pra "raigá" e depois engolir.

Cansei viu seu homi.

Cansei de viver chupando charque.
Chupando até ela ficar branca!

Quero sim...
uma chapa.
Pra fazer o que dá saudade.
Mastigar!