terça-feira, 14 de dezembro de 2010

MISÉRA






























Ele é fruto do cruzamento entre uma vira-lata no cio com um paulistinha fugitivo.
Ele só tem pele,osso e pulga.
Feio demais... faminto demais.
O encontramos ao relento numa chuva de verão, numa esquina movimentada de Jaboatão.
Depois de passarmos no mesmo local durante 3 dias, lá estava ele esperando uma atitude.
Levamos pra casa.
Eita bicho fedorento!
Carregamos num saco... de farinha... pra casa!
Pra cuidar, dar banho, comida e carinho.
Mas como dar carinho a um ser tão feio?
Um ser quase invisivel?
Antes precisávamos dar um nome a ele.
Coisa de humano é querer dar nome a tudo.
Qual?
Antes de ter uma idéia, passou rapidamente um comentário.
Isso é um miserável!
E passamos a chama-lo de MISÉRA.
Entendam.
Não é miséria, é MISÉRA.
MISÉRA.
Sentiu-se acarinhado com esse nome.
Era um nome engraçado como ele... combinava.
Era MISÉRA pra lá, MISÉRA pra ca...
Tentamos mudar umas 2 vezes, mas o danadinho só atendia por MISÉRA.
No primeiro dia ficava ele todo mirradinho tremulo de medo nos cantos da parede.
Aos poucos foi descolando passo a passo.
Ensinamos os costumes da casa, os modos e o abraçamos.
MISÉRA foi aos poucos ganhando um por um.
Antes chegavamos em casa e íamos fazer as coisas corriqueiras.
Cada um o seu ritual de chegança.
MISÉRA passou a ser o ritual coletivo.
De chegança e de partida.
Oi MISÉRA!
Tchau MISÉRA!
Comiamos separadamente em horas distintas.
Depois dele, passamos a comer juntos só pra ter aquele grude ao pé da mesa: MISÉRA.
Compramos coleira e começamos a sair todos os dias com MISÉRA pra desopilar.
Coleira para uma criatura como MISÉRA era como se fosse um troféu de cão com dono.
Um distintivo canino. Um registro. Um atestado. Uma certidão.
Ele saía todo amostrado com aquele cinto no pescoço. Fazia confusão e escandalo pros vira-latas sem dono. Fazia inveja mesmo.
Era o cão chupando manga!



A vizinhança pegou simpatia, "feição" por MISÉRA.
Até as outras criaturas gostavam de ver como MISÉRA agia, seu jeito de ser era peculiar demais... era muita felicidade para uma bicho feio como ele. Tinha muito Dono querendo cruzar suas fêmeas com MISÉRA.
MISÉRA passou a não ser mais tratado como uma criatura desprezível, fedorento ou invisível. Ficou querido, perguntado e acalentado até por seres de outras espécies. Por estrangeiros até.
Todos queriam ser iguais a MISÉRA. Até os belos e de bom berço.
Abriram até um pet shop com uma placa na entrada:
MISÉRA PASSOU POR AQUI! VENHA VOCÊ TAMBÉM. ACEITAMOS CRÉDITO.
Já nos perguntaram porque não trocamos de vez o nome de MISÉRA. Respondemos que esse é o único nome que ele quer ser chamado... MISÉÉÉÉRAAAAAAAA!
Acreditamos que foi o estado miserável em que ele foi encontrado que o transformou, que nos chamou atenção. E foi assim que ele foi abraçado pelo nosso amor... foi o sentimento humano que o acolheu, deu de comer e acarinhou.
Foi a compaixão que percebeu que apenas a miséria em que MISÉRA foi achado, poderia ser mudada a favor de si e dos outros.
MISÉRA é a alegria bem sucedida de Jaboatão!
Jaboatão não mudou o nome de MISÉRA...



Jaboatão mudou a condição...



MISÉRA mudou Jaboatão.

5 comentários:

  1. Que lindo, amigo. Cênico demais. Imaginei vc no palco com apenas uma coleira na mão dizendo esse texto. E a gente vendo o cãozinho acanhado para e para cá, com a emoção que seu corpo e alma emanam. Parabéns.

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  2. Miséra existe gente!
    Ei-lo: http://picasaweb.google.com/zigbonachela/Misera#

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  3. Como dizem os Titãs: Miséria é miséria em qualquer canto.
    Mas Paulo de Pontes, e só ele, consegue criar um Miséra; tão lindo, tão lúdico, tão nós.

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  4. Trás MISÉRA para passar uma temporada conosco!!!

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